sábado, 25 de agosto de 2012

Assim se faz a reabertura deste espaço

Já lá vai quase um ano desde a minha última publicação por aqui. Aquele que era o meu diário sobre o processo criativo e afins que mais tempo consegui aguentar (nem os meus cadernos de brainstorming duraram tanto) fez uma paragem de 11 meses, fruto das mudanças de rotina às quais fui sujeito. Deixei de ser um mero estudante universitário, com mais do que tempo livre para compor e descompor, para passar a ser um trabalhador das 9h às 19h com pouco tempo para escrever uma quadra. Não digo com isto que deixei de fazer canções. Elas continuam a surgir mas a um ritmo mais lento e mais sofrido, mas o processo continua a agradar-me, bem como o resultado final.

Muita coisa mudou num ano. Não só a nível pessoal e profissional. O espaço que me rodeia sofreu alterações profundas desde a última entrada no blog. E as notícias que fizeram capa de jornal no dia de hoje foram o catalisador para uma nova corrente de textos (desta vez prometo mesmo que as publicações vão ser mais regulares). Ou não fosse o encerramento da RTP 2 e o mais que provável encerramento da Antena 3 o prenúncio de morte para os novos valores da música portuguesa, que têm sido muitos nestes últimos meses (basta ouvir o programa do Rui Estevão ao final da tarde para perceber que anda muita gente a criar por aí). 

Mas comecemos pela RTP 2. Não vou ser hipócrita e dizer que a RTP 2 preenchia os meus serões. Os canais por cabo oferecem uma maior variedade de temáticas, passando a RTP 2 quase sempre para segundo plano. Gosto do canal e de muitos dos programas que por lá rodam, mas desafio todos vós a fazerem um exercício mental e pensarem quantas horas por dia gastam a assistir ao mesmo. Isto porque a onda de descontentamento que se levantou após a decisão do governo tem envergadura para afundar a Indonésia, mas duvido que a maioria dos indignados assista semanalmente ao Câmara Clara, ou que depois do almoço acompanhe o Sociedade Civil, ou o Desporto 2 ao Domingo (onde passa tudo menos futebol). Acredito que a maioria apenas se recorde que por lá passaram programas que metiam pastéis de nata e um outro que começava antes da meia-noite. Falar mal é fácil, mas é importante pensar antes de começar a argumentar ao acaso. O Estado oferecia um serviço culturalmente rico a uma população culturalmente ignorante e desinteressada. A minoria que assite à RTP 2 (e eu admito, tentei fazer parte dessa minoria mas não consegui, pelo menos a tempo inteiro) acaba por sair prejudicada, porque perde o serviço televisivo com maior qualidade, arriscando-se a que a oferta em horário nobre sejam novelas, tourada e reality shows, e tendo assim de se virar para os canais por cabo. Ao povo não fará grande diferença o fim da RTP 2, porque o povo gosta de programas com audiências, e as audiências nunca estiveram sintonizadas no posto 2 (peço desculpa por usar de forma depreciativa a palavra "povo", mas é a melhor definição que encontro para o grosso da população portuguesa). As crianças vão ficar sem o Zig-Zag, mas também qual é a criança que hoje em dia troca uma sessão de Playstation por desenhos animados? Vamos ficar sem o Câmara Clara, mas também quem é que quer saber quem é o novo nome da pintura ou quem quer debater a influência de Dickens na literatura contemporânea? O que se quer sim é saber quem ganha o concurso de talentos ou quem fica até ao fim numa casa recheada de malta sem talento nenhum. Antes havia um ditador que queria manter a população ignorante, agora é a população que se empenha para ser ignorante. E quando por fim acabam com um serviço que ninguém utilizava, toda a gente vem reclamar. É Portugal no seu estado normal.

O fim da Antena 3 acaba por ser o fim da nova música portuguesa. E tendo este argumento como base o cenário será demasiado negro para se poder imaginar. Da Antena 3 sou ouvinte assíduo, todos os dias me acompanha no carro, e muito boa música descobri ao som daquela que ainda é a melhor rádio nacional. Fruto não sei bem do quê, nos últimos meses a qualidade tem descido. Basta ter a experiência de acordar a ouvir Katy Perry (na Antena 3? Como é possível?) para se poder concluir isso. Por outro lado, outros programas mantêm a sua qualidade, muito graças a quem os conduz. Nenhum deles irá com certeza ler este texto, mas se isto for o fim, quero deixar já os meu profundo agradecimento à Mónica Mendes, ao Nuno Calado, ao Álvaro Costa, ao Miguel Quintão, ao Pedro Costa, ao José Paulo Alcobia (entre outros) por tudo aquilo que me ensinaram. A Antena 3 moldou profundamente o meu gosto musical, mostrou-me influências e registos que desconhecia, contribuiu em muito para que hoje seja este pseudo-músico. O fim da Antena 3 é o fim de muitos dos novos cantautores que querem mostrar trabalho, é o fim da música portuguesa, é o fim de uma juventude musicalmente culta. 

O encerramento da RTP2 e da Antena 3 é o afirmar de que vivemos a pior crise da história do nosso país (perder um Rei em África é capaz de ter sido bem pior, mas isso agora não interessa muito). Se acabar com a cultura no nosso país é a melhor forma de se poupar dinheiro, então seremos um bando de acéfalos de bolsos cheios. E depois será quase impossível voltar a ser o país culturalmente rico de hoje, mesmo de bolsos cheios. Que bom que será viver em Portugal.

Que este fim seja o recomeço deste espaço. Esta tragédia (não há outra definição) fez-me reacender a vontade de escrever, de compor, de divulgar, num país onde esses verbos serão algo raros. Não termino este texto sem partilhar uma música de um dos meus álbuns favoritos, e que até se enquadra minimamente no tema. Cumprimentos e até breve.

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