sábado, 19 de junho de 2010

O cinismo de um povo


Este blog não tem como finalidade a crítica político-social. No entanto, e devido a um acontecimento que marcou o dia de hoje, não podia deixar de comentar. Não pretendo alongar-me.

O dia de hoje será recordado como o dia em que José Saramago nos deixou. Para muitos um génio da literatura. Provavelmente, o escritor português mais conhecido em todo o Mundo. Correcção, talvez um dos portugueses mais famosos de todo o Mundo. E esse reconhecimento é totalmente merecido. Amado por uns, odiado por outros, Saramago sempre causou choque. Criticou o país, a política, a religião.

Confesso que fiquei chocado pela sua morte. Não por apreciar a sua obra, mas pela figura "mítica" que este representa. Nunca fui apreciador da sua escrita, do seu carácter e das suas ideologias, e não é com a morte dele que vou alterar estas minhas convicções. Além do mais não apoio a ideologia política que este defendia. Resumindo, não vou ser cínico ao ponto de começar a comprar as suas obras, começar a lê-las de forma compulsiva, como muito provavelmente a maioria dos portugueses irá fazer.

E é esta a situação mais problemática desta minha crítica. O povo português espera a morte para que seja feito o reconhecimento. Óbvio que José Saramago foi reconhecido em vida de forma meritória. Mas o típico português, como se costuma dizer na gíria, esteve-se a cagar para isso. No entanto, com a fatalidade de hoje, quantos não irão mudar de ideias, e venerar a obra do génio? E isto não se passa só no caso de José Saramago. Há cerca de um ano atrás, e num contexto muito, mas muito mais global, a morte de Michael Jackson despertou a mesma onda de cinismo pela população. O povo português padece desta grave doença, de apenas se lembrar das figuras maiores da nossa sociedade quando estas já não estão entre nós. O povo português até é capaz de venerar aquilo que não deveria ser venerado, como quando há uns anos António Oliveira Salazar foi considerado o maior português da história (esta uma situação não tão ligada ao tema do dia, mas que mostra o grau de estupidez que paira sobre este povo).

O problema é que eu também sou parte deste povo. Pelo sangue que partilho e não pelas ideologias. E assim como eu muitos pensam de igual forma. Mas como é óbvio, nada pode ser feito para mudar esta ideologia de cinismo. Este assunto é debatido por toda a gente sempre nestas alturas, e continuará, infelizmente, a perturbar-me por muitos e muitos anos.

9 comentários:

  1. Estava eu a deambular pela internet com o intuito de passar um pouco do meu tempo e sem fazer nada em concreto quando encontrei este teu blog... sendo cliente assidua mas não muito comentadora pela afamada falta de tempo que nos inunda do vosso «altamente desinteressante» reparei que este é absolutamente o oposto do blog do trio pouco desinteressante dei por mim a ler e a pensar que seria preciso coragem para colocar os textos que escrivia mais do que agora escrevo em horas de insónias nocturnas.
    Apeteceu-me comentar hoje precisamente no post que nada tem a haver com os outros por casualidade... e também por concordância com o escrito... ainda ontem tive uma estranha conversa sobre este tema e a paixão que este tema levanta tanto contra como a favor!
    Eu, pessoalmente, nunca fui fã da sua obra nem das suas «saídas» polémicas, mas continuo a achar que foi incontestavelmente um marco na nossa literatura e, por isso, merece algum enfase na sua morte, contudo concordo contigo... a hipocrisia que nos rodeia é um dado adquirido do nosso povo.
    Boa sorte para o blog =)
    Teresa E.

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  2. Eu nunca fui grande adepta das suas obras nem da forma como ele escrevia, mas numa coisa tenho de admitir: Ele era portugues, tinha um nobel, conhecido mundialmente e, aparentemente, uma boa pessoa.
    E, sendo portuguesa como sou (nao muito praticamente, mas pronto, tambem digo ser crista, mas nao vou a uma missa faz que tempos ) tenho um grande orgulho dizer que um Homem que nasceu um dia como todos os outros, escrevi como muitos nunca o conseguiram e fez furor no mundo da literatura.
    Digam o que disserem, HONROU PORTUGAL!

    P.S.: tambem nao vou ser cinica e comprar obras dele, confesso que a unica que comprei foi o Memorial do Convento e li porque me dava jeito na escola, caso contrario nao tinha gasto 16euros com ele.

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  3. Engraçado teres feito um post sobre isto. Ainda no outro dia estive a falar sobre essa hipocrisia que falas por causa exactamente deste senhor.

    Engraçado como um homem que se auto-exilou, chateou-se com o seu país sem este se ter chateado com ele e disse, um dia, que a península ibérica devia ser um país único, após morrer ser considerado um herói português...Ou seja, um herói duma pátria que rejeitava... Mas pronto, também não é um assunto que conheça muito aprofundadamente, mas é sempre engraçado reparar nestes pormenores da nossa sociedade portuguesa.

    Como disse o senhor Prof. Doutor Pinto da Costa (note-se, o irmão do outro Pinto da Costa, para não haver confusões) na palestra a que assisti no outro dia: "É assim que acontece na Portugalândia"...

    Abraço e continua aí com o blog

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  4. '... chateou-se com o seu país sem este se ter chateado com ele...'. Tenho que fazer esta pergunta: sabes porquê que ele foi para Lanzarote?

    Concordo, o povo português é pequenino (de alma) e hipócrita (bastante). Este senhor é demasiado irreverente (e, para mim, grande) para ser apreciado pelo nosso povo, do qual faço parte. Até porque pouco é aquilo que o aproxima do nosso Portugal. Foi pela ausência de conformismo (que tão bem caracteriza o povo português) que, por exemplo, abandonou a sua pátria e foi em busca de algo que em Portugal há cada vez menos. Liberdade.

    Mas sim, deixa-me muito triste ver que apenas depois da sua morte, sintam orgulho de tudo aquilo que simboliza 'Saramago'. É mau que se lembrem dele agora, apenas, por ser português. Enfim. É irónico. Típico.

    Estou a gostar do blog. Desculpa lá as invasões, Ricardo, mas fica difícil não comentar =)

    Beijinho

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  5. Não se trata de invasões, se o blog existe é mesmo para o pessoal ir vendo e comentando. Fico contente por este tema estar a gerar debate, é bom ler sempre várias opiniões.

    Mas como já disse, é provável que não volte a estas críticas socias (a não ser que haja algo escandaloso).

    Bjinhos e abraços e continuem a seguir.

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  6. Eu já li vários livros dele e digo, sinceramente e apesar de ser um Queiroziano acérrimo, Saramago escreve muito, muito, muito bem.

    Não concordo com os seus ideais políticos nem com algumas atitudes, mas como nem Jesus agradou a todos..

    Em relação a Jackson.. Bem.. Para não ferir susceptibilidades, prefiro guardar para mim...

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  7. Também é verdade, os judeus foram cruéis para com o Messias (por falar em Jesus, vê o Dogville). Isto é como tudo na vida: há quem goste, há quem não goste, e depois há quem finja gostar porque está na moda.

    Quanto a MJ, compreendo a tua posição...

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  8. Eu acho é que com tanta homenagem e com o (des)amor que o senhor tinha ao país, ainda se vai levantar do túmulo só para poder contestar mais um bocadinho. Infelizmente, está bem enraizado esse cinismo ou essa pequenez de horizontes que nos afecta.

    Abordando agora a obra, não aprecio, apesar de já ter lido alguns, fosse por estudar o autor na escola (como a maioria) fosse por uma questão de cultura geral...afinal, sempre foi Prémio Nobel.

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  9. Rainha Alice, só faltava mesmo você aqui neste espaço de ideias. Saudações reais.

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